Tenho saudades de um telefonema.
Não gosto dos "ditos" de agora, descartáveis, fugazes, concentrados, predefinidos, objectivos, previsíveis, entalados entre a orelha e o ombro enquanto as mãos se dedicam a alguma outra tarefa mais importante, e os pés percorrem o mais rapidamente possível a área necessária até se encontrar um lugar com boa cobertura de rede...
Eu tenho saudades de todos os rituais que antigamente acompanhavam a ligação remota a outra pessoa. Primeiro era suspensa a televisão, depois procurava-se a agenda, onde poucos eram os nomes situados na página correspondente à letra inicial, ou porque já não havia espaço nesta, ou porque nome procurado repousava afinal na página correspondente à letra do grau de proximidade. P de primo, T de tio... E assim se perdiam minutos preciosos, juntamente com doses generosas de paciência. Desvendado o mistério, procurávamos um lugar confortável, ordenávamos silêncio a todo e qualquer ser vivo nas proximidades e discávamos o número. Encostávamos o auricular ao ouvido e escutávamos o sinal, na expectativa do momento em que daria lugar à voz tão esperada. Depois.... Depois abençoava-se o progresso tecnológico e deixa-se a voz deslizar através de quilómetros de fio mágico, que quebrava distâncias e nos aproximava afectivamente daqueles de quem o tempo nos tinha afastado fisicamente.
Telefonar é magia.
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. Epílogo
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