Eu sei que hoje já excedi o número de posts de um blogger saudável, mas, vamos supor... vá lá, que eu estou a escrever um post qualquer. Mas mesmo um qualquer, sobre um assunto ao calhas, longo, maçudo, repetitivo, daqueles que não interessam nem ao menino Jesus, que se tivesse sabor sabia a Wettabix, ou lá como aquilo se escreve, ou se escrevia... Que não incluía nenhuma imagem baril, ou fixe, ou seja lá o que for; um post com uma letra feia, tipo Times New Roman, escrito a letra preta. Se eu nesse post, como quem não quer a coisa, inserisse as palavras MORANGOS COM AÇÚCAR, será que as visitas ao meu modesto blog aumentavam?
Ao contrário daquilo que pensamos, as nossas identidades são-nos atribuídas pela sociedade, e não criadas por nós.
"Embora um indivíduo médio encontre expectativas muito diferentes em diversas áreas de sua vida, as situações que produzem essas expectativas enquadram-se em certos grupos. (...) a sociedade proporciona o script para todas as personagens. Por conseguinte, tudo quanto os actores têm de fazer é assumir os papéis que lhes foram distribuídos antes de levantar o pano(...) os papéis trazem em seu bojo tanto as emoções como as emoções e actitudes a eles relacionadas.(...) Somos aquilo que os outros crêem que sejamos.(...) Trabalhamos melhor quando estimulados por nossos superiores. É difícil não sermos desajeitados numa reunião onde sabemos que as pessoas nos consideram inaptos. Isto torna compreensível o processo segundo o qual os indivíduos preferem ligar-se a outras pessoas que sustentem as suas auto-interpretações(...)"
Retirado de Perspectivas Sociológicas, Peter Berger
Todos os anos têm um dia dedicado ao arquivo de um ano inteiro de trabalho. Esse dia é hoje. Por norma, ao observar o caos que rodeia toda a minha mesa de trabalho, uma pergunta aflui ao meus pensamentos, e é a mesma todos os anos: como é que eu fui capaz de me organizar no meio de tanta desorganização? Em cima da minha secretária tenho chávenas de café vazias, uma garrafa de água, os destroços de uma pilha de livros que ruíu, papéis rasgados, folhas com anotações supostamente importantes, uma vez que foram escritas a vermelho, a minha máquina fotográfica, tubos de cola, canetas e lápis que tentam conquistar toda a superfície da secretária (já vejo pequenas bandeiras hasteadas nalguns pontos), talões de refeições na cantina da escola, entre outras coisas que já nem consigo perceber o que são.
Enquanto tento restabelecer a ordem, existem sempre fragmentos do findo ano lectivo nos quais me detenho por instantes. Uns fazem-me sorrir, outros pensar nas horas roubadas ao sono, alguns ainda soam-me a objectivos atingidos, outros atingem-me eles próprios no estômago com as classificações que têm escritas. Tanto trabalho para tão pouco...
No final do dia, quando a paz volta a reinar no meu santuário de trabalho, a fraca luz do crepúsculo lambe a superfície lisa da secretária, e as prateleiras vazias esperam os retalhos de um novo ano, por mais distintos que tenham sido os anos arrumados em caixas eu chego sempre à mesma conclusão: Valeu a pena.
Hoje levantei-me cedo. Perguntei-me porquê. Sim, é verdade que tinha um compromisso importante marcado. Mais do que um compromisso: uma contigência da vida de quem estuda. Ainda assim não me pareceu argumento suficiente para legitimar tamanho gasto de energia, pelo que procurei outra razão. A razão estava escrita a corrector branco nas costas do banco em frente àquele que ocupei no autocarro:
"I'm lost"
Alguns seres pouco abonados pela sorte, nasceram com uma pena a cumprir. Na sentença pode ler-se que, em qualquer circunstância, independentemente da sua inteligência, beleza, ou de qualquer outro atributo passível de tornar a sua companhia agradável e interessante a outrém, este desavindo com a sorte nunca criará laços fortes com semelhante algum, mesmo que nisto empenhe todas as suas energias.
Na segunda alínea condena-se o indivíduo supra mencionado a momentos de esperança vã, em que outros o procurarão e o farão sentir-se único e especial, mas apenas enquanto puderem retirar deste o máximo proveito, fazendo-o sentir que foi explorado no final.
E acreditem que não minto. Está tudo aqui, agrafado na minha certidão de nascimento.
Merda
Só porque hoje acordei bem disposta.
Imagem do videoclip de Frozen, Madonna
É curiosa a forma como algumas músicas ficam associadas a uma determinada fase das nossas vidas, sem que tenhamos consciência do momento em que o nosso subconsciente começa a formar essa associação. Basta que uma melodia seja escutada frequentemente durante um determinado período de tempo e pronto, é o suficiente para que fique para sempre associada a essa época, ou a uma situação em concreto que tenha tido lugar nessa data.
Hoje escutei esta música. A mesma que ouvi vezes sem conta nos mesmos dias em que lia o Diário de Anne Frank.
Quando o li tinha a mesma idade de Anne, e estava a atravessar aquilo que agora me dizem ter sido uma depressão não diagnosticada.
E pronto. Esta sucessão de notas musicais foi hoje o meu botão de transporte para uma data particularmente marcante da minha vida.
Fallingwater, ou A Casa da Cascata
Arqº Frank Lloyd Wright - 1934
O templo do meu Mestre.
Em Portugal as escolas são tidas como fábricas de produção em série, onde não se valorizam as capacidades e qualidades individuais de cada aluno. Aqui, pelo contrário, os ritmos, os programas, os papéis que cabem a cada um estão há muito definidos, e o momento da aprendizagem é entendido como eficaz apenas quando a postura do aluno é completamente passiva e estéril face à matéria que lhe é apresentada.
Confesso que algo que me perturbava nos meus tempos de escola, até chegar ao ensino superior, eram os chamados "toques" de entrada e de saída. Haverá algo de mais redutor? Fosse qual fosse a relevância do tema a ser abordado no momento do sinal de fim de aula, a verdade é que esta era instantaneamente suspensa. Não oiço ninguém falar neste assunto, mas a verdade é que não sendo psicóloga, sinto que isto imprime marcas no subconsciente dos alunos. Como é que se admite que algo desta natureza possa perturbar um momento que SÓ o professor deveria definir quando está em condições de ser dado por terminado? A própria escola desrespeita o professor e o ensino quando institucionaliza estes desprezíveis toques!
Por outro lado, oiço muita gente falar sobre o ensino português. Curiosamente todas estas pessoas frequentaram os bancos das escolas há algumas décadas, as suficientes para terem uma imagem completamente distorcida da realidade do ensino de hoje. Não sejam ridículos e de uma vez por todas: oiçam o que os alunos têm a dizer. Não coloquem os pais a avaliar os professores, coloquem os alunos! Confiem pelo menos um pouco no ensino que fornecem a estes jovens e concedam-lhes no mínimo o benefício da dúvida de que afinal, talvez possam ser até mais instruídos que os pais, e que sobretudo estando dentro da escola, serão os únicos que a podem avaliar.
Como querem educar pessoas se partem do princípio que estas não são sequer capazes de formular uma opinião sensata sobre o meio onde passam a maior parte dos os dias? Aqui reside o problema. Ou pelo menos o principal.
Tenho saudades de um telefonema.
Não gosto dos "ditos" de agora, descartáveis, fugazes, concentrados, predefinidos, objectivos, previsíveis, entalados entre a orelha e o ombro enquanto as mãos se dedicam a alguma outra tarefa mais importante, e os pés percorrem o mais rapidamente possível a área necessária até se encontrar um lugar com boa cobertura de rede...
Eu tenho saudades de todos os rituais que antigamente acompanhavam a ligação remota a outra pessoa. Primeiro era suspensa a televisão, depois procurava-se a agenda, onde poucos eram os nomes situados na página correspondente à letra inicial, ou porque já não havia espaço nesta, ou porque nome procurado repousava afinal na página correspondente à letra do grau de proximidade. P de primo, T de tio... E assim se perdiam minutos preciosos, juntamente com doses generosas de paciência. Desvendado o mistério, procurávamos um lugar confortável, ordenávamos silêncio a todo e qualquer ser vivo nas proximidades e discávamos o número. Encostávamos o auricular ao ouvido e escutávamos o sinal, na expectativa do momento em que daria lugar à voz tão esperada. Depois.... Depois abençoava-se o progresso tecnológico e deixa-se a voz deslizar através de quilómetros de fio mágico, que quebrava distâncias e nos aproximava afectivamente daqueles de quem o tempo nos tinha afastado fisicamente.
Telefonar é magia.
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. Epílogo
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