Estou cansada.
Do trabalho, da vida que levo, da intensidade, da urgência que requer tudo para ontem.
Das viagens diárias para Lisboa, da antecipação que me exigem, das horas perdidas no trânsito. De chegar já cansada ao destino, quando me é pedido o máximo rendimento intelectual. De um café não bastar.
De ser nestas épocas que mais preciso de tempo e espaço para respirar, e igualmente nestas que menos os tenho.
Nestes dias sinto-me sozinha na multidão.
As conversas roçam a superficialidade do momento.
Sinto que a vida gira em torno de vontades alheias e imposições sufocantes.
Na impossibilidade de enterrar a cabeça na areia, enterro-a nas almofadas por tempo excessivo. Talvez à espera de acordar de um sonho mau.
Parem o tempo, que eu quero descer.
Mesmo quando tudo pede um pouco mais de calma
Até quando o corpo pede um pouco mais de alma
A vida não pára
Enquanto o tempo acelera e pede pressa
Eu me recuso faço hora vou na valsa
A vida é tão rara
Enquanto todo mundo espera a cura do mal
E a loucura finge que isso tudo é normal
Eu finjo ter paciência
O mundo vai girando cada vez mais veloz
A gente espera do mundo e o mundo espera de nós
Um pouco mais de paciência
Será que é o tempo que lhe falta pra perceber
Será que temos esse tempo pra perder
E quem quer saber
A vida é tão rara (tão rara)
Mesmo quando tudo pede um pouco mais de calma
Mesmo quando o corpo pede um pouco mais de alma
Eu sei, a vida não pára (a vida não pára não)
Será que é tempo que me falta pra perceber
Será que temos esse tempo pra perder
E quem quer saber
A vida é tão rara (tão rara)
Mesmo quando tudo pede um pouco mais de calma
Até quando o corpo pede um pouco mais de alma
Eu sei, a vida não pára (a vida não pára não...a vida não pára)
Lenine, Paciência
Sonhos em segunda mão não se podem comprar.
Roubem-se, pois então.
Existe uma determinada altura na vida em que se instala a necessidade urgente de partilhar.
De partilhar o pequeno promontório, desde sempre secreto e privado, onde nos sentamos para observar o mundo.
De perscrutar a expressão de outro rosto ante a revelação das nossas pequenas verdades escondidas.
De receber as suas.
E finalmente, de poder experimentar o prazer de um diálogo mudo, onde os silêncios são infinitamente ricos, e as palavras meros vestígios do mundo lá fora.
Hoje cedo fui correr.
O sol a fazer brilhar a estrada, os campos a rebentar em verde, o céu azul, bem azul por cima de mim.
Fugir, fugir, fugir para longe...
O vento na cara.
O calor e a água fresca.
Foi muito bom.
Porque afinal tudo é tão claro, e as coisas realmente importantes tantas vezes esquecidas.
Um dia chegará em que alguém não obterá resposta chamando pelo nosso nome.
Para quem não percebe do que estou a falar, entre aqui.
E se alguma coisa se pode aprender com a constatação do óbvio, é que os nossos pequenos problemas nunca mudarão o rumo da história. Os nossos pequenos problemas são fumo à espera de um sopro.
Deito-me sobre a erva, enquanto mordisco uma maçã e a saboreio de olhos fechados.
Cheira a alfazema e flor de laranjeira.
Imagino que as papoilas dançam à minha volta com a mesma brisa que me afaga o cabelo e me sossega, nesta planície simultaneamente deserta de gente e plena de vida.
Sinto a terra pulsar quente sob o meu corpo, e adormeço a lucidez e a razão ao toque apaziguador do sol da Primavera, até que a noite fria me envolva e me lembre que não fui talhada para a eternidade.
Foi noite de insónia.
A cabeça pedia repouso, mas o corpo reclamava outro conforto.
Horas atrás de minutos.
Segundos, muitos segundos a ecoar na penumbra silenciosa da casa quieta. Minutos, muitos minutos para embalar o sono que o não era.
Num casulo subitamente apertado.
Minutos...
Olhos vidrados no infinito vazio.
Horas...
Trovões ao largo.
Demasiadas horas...
Um corpo magoado do descanso.
Tempo.
A rouquidão metálica do comboio da madrugada.
Tempo que se desfaz...
Os primeiros raios de luz pelas frinchas da janela.
Suspiro.
E um dia que acordou quando eu finalmente adormeci.
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. Epílogo
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